ARTE, É MESMO COM ELA ! . . .
Vera Fischer fala rápido, atropela o entrevistador. Mal dá tempo de anotar. Ela escreve mais rápido ainda do que fala. Aos 59 anos, produziu dez livros em um ano. Tudo à mão. Não usa computador porque não tem paciência para aprender. “Tem secretária que pode usar para mim”, diz. A ex-miss, musa da TV e atriz escreve a lápis. “Eu gosto de sentir as palavras saindo. Ainda escrevo cartas para os amigos”, afirma. Seu livro de estreia, Serena, tem 244 páginas. A assessoria de Vera enviou seis capítulos a ÉPOCA. A nova autora diz que o livro completo não está pronto ainda e, por isso, não permite a reprodução de trechos. “As pessoas têm de ler tudo para saber o que é”, diz. Medo de críticas? “Não, o que interessa é o público. É para eles que eu escrevo, não para a crítica.”
Vera tem um estilo de escrita direto, que não se atém a descrições longas (“Ninguém tem paciência para ler livros muito grossos, só os aficionados de literatura”). Um dos personagens vai do aborto à morte, passando pela UTI, septicemia e falência múltipla dos órgãos em apenas seis linhas e meia. A estreante usa imagens comuns como “seu coração parecia estar tão apertado que mal conseguia respirar” e “as horas se arrastavam lentamente”.
Na entrevista que deu por telefone, Vera explica seu processo criativo, seus personagens e suas fontes de pesquisa. “Tem amor, carinho e paixão, mas não é um romance. É ficção.”
ÉPOCA – Você publicou duas memórias, qual é a diferença entre escrever ficção e fazer autobiografia?
Vera Fischer – A diferença é que para fazer memória você tem de parar para lembrar.
ÉPOCA – E na ficção você se inspirou em quê? Há coisas suas nos personagens?
Vera – Algumas pequenas coisinhas, sim. Mas não posso dizer o que é. Eu sou muito diferente da Serena, porque ela é medrosa. Eu não sou medrosa. Não tenho medo de nada.
ÉPOCA – Como você conseguiu escrever dez livros em um ano? Isso é mais do que a obra da vida inteira de muitos escritores.
Vera – Uma vez eu pintei 200 quadros em um ano. E agora em um ano eu fiz dez livros. Eu não penso, não. Eu sento e ponho assim: capítulo um. E o capítulo um sai. E o que vai acontecer agora? É isso, pum. E agora? Agora vai ser aquilo. Não fico pensando no que vai acontecer, não faço espinha dorsal de livro, não. É tudo muito rápido. Meu pensamento e minha criatividade fluem.
ÉPOCA – Mas como foi a decisão de começar a escrever? Veio assim do nada?
Vera – Eu estava sem fazer teatro, sem novela. É incrível como quando você está sem fazer nada as coisas brotam. Não sou de ficar pensando muito, planejando muuuito. Meu pensamento não é planejado. Eu faço e depois vejo o que acontece. Sentei, escrevi os livros e depois procurei uma editora. Falei para uma assessora: “Eu fiz esses livros. E agora? O que eu faço com eles? Vamos ver se alguém quer publicar?”.
ÉPOCA – Algum escritor a influenciou?
Vera – Não, nenhum. Acho que meus livros são diferentes de tudo. Não fiz esforço para ser assim, saiu dessa maneira.
ÉPOCA – O que você gosta de ler?
Vera – Eu gosto de tudo. Eu adoro ler desde pequena. Eu roubava dinheiro da minha mãe quando eu tinha 13 anos para ler. Li de tudo. Minha favorita é a Yourcenar (Marguerite Yourcenar, escritora franco-belga).
ÉPOCA – Alguns escritores dizem que sofrem para escrever, que o processo é longo, a escolha das palavras. Você parece ter feito tudo muito facilmente...
Vera – Eu não sofri nada. Não tem esse negócio de ficar descrevendo tudo nos mínimos detalhes, não. Ninguém tem paciência para isso, para livro grosso, muito erudito, só os aficionados da literatura. Hoje em dia, com computador, as pessoas querem tudo rápido. Eu escrevo como vem o pensamento, e meus livros são rápidos de ler porque meu pensamento é rápido.
ÉPOCA – Você agora quer ser chamada de atriz ou de escritora?
Vera – Não posso dizer que sou escritora, sou uma contadora de histórias. Eu sou uma artista, antigamente eu era só atriz. Eu pinto, escrevo, faço vídeo. Sou uma artista mais completa.
ÉPOCA – Como é para alguém que se acostumou a interpretar textos dos outros passar a criar os textos?
Vera – Eu não interpreto. Eu vivo o personagem. Não faço construção, não sou assim. Eu vou lá e faço. Aquela lá sou eu fazendo. Meus livros também são assim.
ÉPOCA – Do que você mais gostou ao escrever ?
Vera – É gostoso inventar personagem e eu inventei vários. Todo livro tem uma viagem ao estrangeiro. Este primeiro tem Marrocos e Caribe. Eu pesquiso esses lugares, os vinhos que eles bebem.
ÉPOCA – Você pesquisa em livros, na internet?
Vera – Pesquiso muito naquele guia Publifolha. Tenho muitos livros de viagem. É muito interessante colocar meus personagens em lugares que eu nem conheço, como Praga, por exemplo. O hotel existe, o restaurante existe, isso é uma coisa que não tem muito nos outros livros.
ÉPOCA – Pesquisa no Google também?
Vera – Não uso computador porque eu não sei e não quero aprender. Tem secretária que passa para o computador para mim. Eu escrevi tudo à mão, com lápis. Quando eu escrevo à mão, é como se as palavras saíssem de mim, tem outro sentido. Quando eu vejo assim impressa na tela não parece que fui eu.
ÉPOCA – Eu li seis capítulos do livro e vi uma agressão, uma tentativa de estupro, negociação de peças preciosas, sequestro e fugas. Acontece muita coisa, não é?
Vera – Ah, acontece. Não posso contar, senão perde a graça. Mas tem de acontecer. Não pode ficar duas páginas só descrevendo. Eu gosto de ver coisas acontecendo, como um filme. O texto é meio falado, é bacana, é natural.
ÉPOCA – Não deu para perceber bem qual é o gênero. Como eu classifico? É um policial?
Vera – Não é suspense, policial, drama, nada. Pode ser catalogado no máximo como romance. Tem amor, carinho, paixão, mas não é um romance. É ficção.
ÉPOCA – Tem muito sexo também
Vera – Tem porque eu não sou freira. Não posso escrever que eles deram um beijo e viveram felizes para sempre. Todos os livros têm sexo. Isso existe na vida de qualquer pessoa, uma transa. Em um livro eu escrevi uma transa homossexual. Eu nunca vi, nem sei como é, mas a gente inventa as coisas.
ÉPOCA – Você disse que seus livros não são para pobres?
Vera – Não. Distorceram o que eu disse. Eu já vi que você não pode dar entrevista para certos veículos porque eles distorcem tudo o que você diz. O que eu disse é que meu livro não tem pobre. Eles vão à luta e vencem na vida.
ÉPOCA – Mas por que só esse universo?
Vera – Que universo?
ÉPOCA – Da riqueza.
Vera – Eu gosto de mostrar que as pessoas que lutam se dão bem.
ÉPOCA – Mas não há um miserável?
Vera – Tem, no meu outro livro tem uma pessoa que veio da favela. Eu não tenho nenhum problema em escrever sobre pobre. Os pobres também vão gostar. Porque meus personagens não são deuses, não são ícones, as pessoas vão se identificar. Eles são bons e maus, ninguém é só bonzinho. Tem os só maus, mas só bonzinho não tem.
ÉPOCA – Mas na vida real há gente que é só má?
Vera – Eu acho que sim.
ÉPOCA – E só boa, não há?
Vera – Só boa deve ter também, mas eu não conheço. A Madre Tereza (de Calcutá, morta em 1997) deve ser só boa, né?
“Eu fiz esses livros. E agora? O que eu faço com eles? Vamos ver se alguém quer publicar?”.
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