terça-feira, 19 de junho de 2007

PARA LER COM CALMA, E... MEDITAR

Nuvens sobre a democracia
Ives Gandra Martins,

professor de direito, advogado e escritor


O presidencialismo na América, exceção feita à forma gerada e adotada nos Estados Unidos, tem demonstrado ser uma permanente escola de ditadores ou títeres disfarçados em democratas. Mesmo no Brasil, temos verificado que, desde a sua adoção em 1889, os períodos de plena democracia e os de arbitrariedade, exceção ou ditadura foram "gangorrais". Deodoro foi imposto, não eleito. Peixoto governou inclusive com aplicação da pena de morte aos que desejavam que o regime fosse aberto. Até 1930, a democracia independia dos eleitores, pois, mediante um complicadíssimo sistema de cálculos e recálculos, São Paulo e Minas Gerais impunham seus candidatos. Contra este sistema revoltou-se Getúlio, que se tornou ditador até 1945. De 1945 a 1964, tivemos um presidente que se suicidou, duas revoltas militares que depuseram Café Filho e Carlos Luz - presidentes que sucederam a Getúlio - dois golpes militares fracassados contra Juscelino (Jacareacanga e Aragarças), um presidente renunciante e outro deposto, tendo sido o período, apesar de tudo, o mais aberto do presidencialismo democrático brasileiro. De 1964 a 1985, vivemos em regime de exceção, que se abriu naturalmente para a volta à democracia e, de lá pra cá, tivemos um presidente deposto pelo Congresso e uma sucessão de escândalos políticos que não termina, sempre envolvendo aliados dos governos, principalmente deste último. Na Argentina, no Uruguai, os golpes são mais sangrentos que no Brasil - o mesmo ocorrendo com a Bolívia, Chile (melhorou consideravelmente, nos últimos tempos), Venezuela, Equador, Colômbia e quase todos os países da América Central. No México, um "partido único" dominou, sem contestação, por dezenas de anos. Como se vê, a democracia dificilmente se compatibiliza com o presidencialismo, governo da "irresponsabilidade a prazo certo". Eleito um irresponsável, há sempre razoáveis possibilidades de se tornar um ditador, ou ser afastado traumaticamente ou por impeachment. Em contrapartida, a forma parlamentarista - adotada em quase todos os países europeus, na Índia, na Tailândia e em muitos outros - que representa o governo da "responsabilidade a prazo incerto" - permite maior estabilidade democrática e maior controle pelo povo. No momento, a América Latina começa a temer novamente pela democracia. Chávez, ao governar sem o congresso, ao fechar o principal canal de televisão e ao impedir passeata de estudantes, cada vez mais se transforma num ditador, exportando arbítrios e histrionices para os países vizinhos (Bolívia e Equador) e desejando transformar o Brasil em seu acólito. Morales é um seu pobre seguidor, o mesmo se dizendo de Correa. O próprio Lula, ora demonstra independência, ora se apresenta como um defensor deste inimigo do Senado Federal brasileiro. Aqui mesmo, tem-se a impressão de que, à luz do pretendido combate à corrupção, direitos fundamentais à imagem e à presunção de inocência são pisoteados, tendo ouvido, outro dia, de um eminente magistrado e professor renomado de direito, que, ao conversar com seus alunos por telefone, já não aconselha mais a utilização desta ou daquela forma de recurso, para não ensejar a interpretação, se grampeada a conversa, de estar "facilitando" o acesso ao Judiciário. A própria Corte Suprema, ao não permitir que um acusado tivesse acesso a todas as peças de uma longa "grampeagem" para sua defesa, parece ofertar menos garantias do que se desejaria, num período de denuncismo e de efeitos cinematográficos que cercam prisões temporárias ou preventivas de presumíveis culpados de crimes de colarinho branco. Como membro da Academia Paulista de História e tendo já escrito uma história da gente bandeirante, vejo com preocupação a renovação dos mesmos sinais de tempos passados, em que a democracia foi posta em xeque.

NOTA : DEPOIS NÃO DIGAM, QUE NINGUÉM AVISOU . . .

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