sexta-feira, 29 de junho de 2007

VIOLÊNCIA NO RIO - PARALELO 1

Repórter irlandês vê paralelos

entre Rio e Belfast

A vulnerabilidade dos civis num conflito urbano armado, uma população ressentida com a polícia e um certo descaso característico de quem é obrigado a conviver diariamente com a violência.
Diante desse cenário, durante a cobertura da mega-operação policial no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, o correspondente na BBC no Brasil Gary Duffy lembrou do conflito na Irlanda
do Norte.
Irlandês de nascimento, Duffy - que está baseado no Brasil há apenas três meses - cobriu a
disputa entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte de 1984 a 1998. "Foi impressionante ver que em muitas áreas católicas não havia muita confiança na polícia, havia um certo ressentimento em relação à polícia, e dava para sentir uma atitude nas favelas de que a polícia não era muito bem vista, que não havia muita confiança na polícia. Havia uma certa simetria com a Irlanda do Norte", disse o correspondente, sobre a experiência no Complexo do Alemão.
"O primeiro lugar para onde fomos foi o Centro Comunitário de Vila Cruzeiro. Estávamos lá fazia umas duas ou três horas quando a polícia chegou. Foi de uma certa forma uma experiência inquietante porque logo depois que chegamos a polícia entrou na área. Nesse ponto os fogos de artifício foram disparados para alertar as pessoas de que a polícia estava vindo. E logo depois disso houve vários tiros. Nós, assim com as outras pessoas que estavam no centro comunitário, tivemos que nos refugiar dentro do prédio. Eu venho da Irlanda do norte e eu tive alguma experiência de cobertura de áreas de violência, mas foi uma daquelas situações em que você chega em um lugar que você sabe que há problemas, mas uma coisa acontece imediatamente. É um pouco inquietante.
E triste também. Num momento você vê crianças brincando numa piscina felizes, no outro você vê elas correndo para se proteger. Ao mesmo tempo, ninguém parecia muito alarmado. As pessoas pareciam encarar o que estava acontecendo como parte da sua vida diária. E isso é um triste reflexo do que está acontecendo.
"Há paralelos com a Irlanda do Norte. Lá, quando a polícia e o Exército entravam nas áreas católicas, as mulheres costumavam sair com tampas de metal e batê-las no chão para avisar as pessoas envolvidas no IRA. E no Brasil o equivalente disso pareceu ser o disparo de fogos de artifício para avisar os traficantes que a polícia está vindo. Também foi impressionante ver que em muitas áreas católicas não havia muita confiança na polícia, havia um certo ressentimento em relação à polícia, e dava para sentir uma atitude nas favelas de que a polícia não era muito bem vista, que não havia muita confiança na polícia.
Havia uma certa simetria com a Irlanda do Norte.
"Um dos aspectos perturbadores que eu notei quando nós saímos de Vila Cruzeiro e fomos para o Morro do Alemão - não exactamente para o meio, mas para a borda, onde a polícia estava - foi o fato de que eram dois lados, a polícia e os traficantes, travando uma batalha com armas de alto calibre numa área que serve de casa a milhares de pessoas.
O potencial para ferimentos graves e morte me pareceu muito grande. Não é o equivalente exato de uma guerra, mas é um conflito armado urbano e algo muito perturbador de ver."As pessoas pareciam muito cientes do que estava acontecendo. Isso também é um reflexo de que a violência é parte da vida diária. Em Belfast havia muita gente que sabia dizer pelo som do disparo que tipo de arma era e não me surpreenderia se as pesssoas das favelas do Rio também soubessem.
A violência ubana geralmente se concentra em áreas pobres. Eu sei que o crime afecta todo o Rio de Janeiro e várias classes sociais, mas certamente esse tipo de violência que vi no Complexo do Alemão está concentrada em áreas muito pobres. Isso é muito triste, está claro que há gente decente, trabalhadora, tentando ganhar a vida em circunstâncias que já são difíceis. As coisas são suficientemente duras sem esse nível de conflito que nós vemos no momento. Eles merecem mais do que isso.
"Para ser franco, foi pior do que eu esperava. O que chama atenção é a natureza indiscriminada da violência, o risco da "bala perdida". Enquanto a polícia e os traficantes estão directamente envolvidos, pode ser muito perigoso para os não combatentes.
Nós falamos com uma senhora que perdeu a filha dez anos atrás. Você pode ver o trauma só olhando para ela. A vida daquele indivíduo foi completamente alterada pela violência e eu não sei como alguém pode se recuperar disso."

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