REVISTA ÉPOCA
10/05/2013
CENAS BRASILEIRAS
A saga da
construção do estádio mais caro da Copa do Mundo. O Estádio Mané Garrincha, em Brasília, é
um exemplo de como as obras públicas no Brasil são delirantes, demoradas e
absurdamente caras
Em ÉPOCA desta
semana, duas reportagens abordam nossa cultura de atrasos em obras públicas.
Uma relata por que a construção do Estádio Mané Garrincha, em Brasília, é uma
das empreitadas mais delirantes já feitas com dinheiro público no Brasil. Outra
investiga as principais causas do não cumprimento de prazos nos projetos
públicos no país.
CAPÍTULO
1
O projeto
Em dezembro de 2006,
o arquiteto Eduardo de Castro Mello descobriu pela TV que o Brasil seria
candidato à sede da Copa de
2014. “A candidatura do Brasil é legítima e tem o apoio de todas as Federações
da América do Sul”, disse Ricardo
Teixeira, então presidente da Confederação Brasileira
de Futebol, a CBF. “O presidente Lula já deu
repetidas vezes prova de que será um agente fundamental para a realização da
Copa do Mundo. E a iniciativa privada dará a resposta, que, tenho certeza, será
positiva.” O plano inicial de Teixeira, como vendido ao público, desenhava o
melhor dos mundos para o Brasil: o país, se escolhido sede da Copa, receberia
um dos maiores eventos esportivos do planeta – e não pagaria nada por isso.
“Não vai ter dinheiro público”, disse Teixeira.
Dias depois, Castro Mello ligou para o recém-eleito governador do Distrito
Federal e companheiro de outras empreitadas, José
Roberto Arruda. Eles se conheciam desde a construção do antigo Estádio Mané
Garrincha, nos tempos em que Arruda era fiscal da Novacap, a empresa de obras
do governo de Brasília. “José Roberto, é hora de retomarmos o projeto do
estádio, que está parado no tempo”, disse Castro Mello. O Mané Garrincha
nascera da megalomania do regime militar. As obras do “Brasil Grande” do
general Emílio Garrastazu Médici, então presidente do país e um apaixonado por
futebol, erguiam-se em Brasília também. O Mané Garrincha, um estádio olímpico
para 140 mil pessoas, viria a integrar o complexo esportivo Médici, no centro
de Brasília,
que incluiria ainda um ginásio e um autódromo. Todas obras superlativas, pagas
com dinheiro público – e para lá de questionáveis em termos estéticos,
financeiros ou urbanísticos. O projeto do estádio coube ao escritório da
família de Castro Mello, cujo pai, Ícaro, tinha experiência na construção de
estádios em São Paulo. Em 1974, após um ano de obras aceleradas, o estádio foi
inaugurado às pressas. Somente uma parte do anel superior ficara pronta. Isso
conferia ao estádio um aspecto banguela – daí a observação de Castro Mello de
que o Mané estava “parado no tempo”.
Cabiam no
banguela 42 mil pessoas, capacidade mais que suficiente para atender o público
de clássicos como Planalto e Jaguar ou do time da gráfica do Senado contra o
Coenge, um combinado dos servidores do governo de Brasília. A capital federal
sempre viveu o futebol pela TV, torcendo pelos times grandes do Rio de
Janeiro e de São
Paulo. “Recentemente, Brasília
contribuiu para a menor renda mundial verificada num campeonato, quando apenas
um torcedor compareceu para assistir a uma partida final de um torneio local
(Grêmio Brasiliense 2 x 1 Coenge)”, disse o então presidente da Federação Desportiva
de Brasília, Wilson de Andrade, pouco antes da construção do Mané Garrincha. Ele
afirmou que havia estádios inacabados na capital e que os poucos times locais
não tinham torcedores nem sequer dinheiro para pagar a conta de luz. Esse
estado de coisas lastimável não mudaria com o novo estádio. Logo se quebrou a
promessa, feita pelo governo de Brasília, de continuar a construção dos demais
anéis. Quebrou-se também a promessa, feita pela CBD, antigo nome da CBF, de
promover no novo estádio jogos dos grandes times do país. Com os anos, o Mané
Garrincha e suas linhas interrompidas tornaram-se apenas um elemento fora do
lugar no desenho curvo da paisagem de Brasília.
O tempo voltou a andar para o Mané no começo de
janeiro de 2007, quando Arruda recebeu, em seu gabinete no Palácio do Buriti, o
arquiteto Castro Mello. Do Buriti, Arruda e Castro Mello avistavam, pela
janela, a silhueta do inacabado Mané, a menos de 1 quilômetro. “Apresentei um
pré-estudo, e, depois de 20 minutos de reunião, ele anunciou que Brasília seria
a sede da Copa, e eu o autor do novo Mané Garrincha”, disse Castro Mello numa
tarde de março deste ano, ao lado do filho, Vicente, também arquiteto, terceira
geração da família a desenhar o Mané. Eles estavam numa sala de reuniões no
pequeno prédio que abriga a administração do novo Mané, rebatizado mais uma
vez. (De Estádio Hélio Prates da Silveira, passara a se chamar Mané Garrincha
em 1983, logo após a morte do jogador.) Agora, passaria a se chamar Estádio
Nacional de Brasília Mané Garrincha. Na antessala, acarpetada de verde-grama do
chão ao teto, uma maquete de 4 metros quadrados materializava o projeto do novo
estádio. Um vídeo institucional repetia na tela LCD os números grandiosos da
obra. Faltava um número especial: R$
1,5 bilhão – o custo, até aquele momento, do estádio mais caro da Copa (o
orçamento inicial era de aproximadamente R$ 697 milhões). “Não interessa se é o
mais caro, é o melhor”, disse Castro Mello. Ele assegurava que o novo
Mané “colocará Brasília no mapa”. “Tem de quebrar o ovo para fazer a omelete.”
Atrás da sala onde perorava, erguia-se, quase pronta, a colossal omelete de 1
quilômetro de diâmetro, cercada por 288 pilares de 36 metros de altura.
Qualquer aspecto do estádio envolve
números hiperbólicos. Em sua construção, trabalharam cerca de 6 mil pessoas.
Empregaram-se 177.000 metros cúbicos de concreto na obra – mais do que nas
Petronas Towers, as torres gêmeas de Kuala Lumpur, na Indonésia, que estão
entre os prédios mais altos do mundo. A cobertura é um espetáculo de tecnologia:
9.100 placas captam energia solar para transformá-la em 2,4 megawatts de
energia, suficientes para abastecer o estádio e mais 2 mil casas da cidade.
Haverá 8.420 vagas de estacionamento, 22 elevadores, 50 rampas e 12 vestiários.
Naquele momento, em
março, a omelete já estava bem atrasada. Tudo atrasou na construção do Mané,
como atrasou, ressalte-se, nos demais estádios da Copa. A licitação atrasou. O
início das obras atrasou. O estádio deveria ficar pronto em dezembro do ano
passado. Não ficou. O novo prazo da Fifa encerrava-se em abril. O governador de
Brasília, Agnelo
Queiroz, marcou a inauguração para o aniversário da capital, em 21 de
abril. Parecia um prazo impossível de cumprir. Chove muito em Brasília nesse
período. Agnelo desafiou as previsões pessimistas – e perdeu. Seis dias antes
do prazo, Agnelo adiou a inauguração para 18 de maio, menos de um mês antes da
abertura da Copa
das Confederações, quando o Mané receberá o jogo do Brasil contra o Japão.
O governo de Brasília argumenta que as obras não estão atrasadas. “Estamos oito
meses adiantados”, afirma Cláudio Monteiro, secretário da Copa do Distrito
Federal. O calendário de Monteiro é peculiar: estabelece que o estádio só
deveria ficar pronto em dezembro, para ser usado na Copa do Mundo.
Portanto, se não houver mais um adiamento, no próximo sábado – quatro décadas
após o inesquecível clássico de um só espectador entre Grêmio Brasiliense e
Coenge –, o novo Mané, aquele estádio que parara no tempo, será finalmente
reaberto. A ocasião é especial: final do Candangão, como é conhecido o
campeonato brasiliense de futebol. Em campo, em vez de Grêmio Brasiliense e
Coenge, Brasília contra Brasiliense.
NOTA : EM TODOS OS NEGÓCIOS MILIONÁRIOS DO BRASIL ( À CUSTA DO DINHEIRO PÚBLICO ), ACABA SEMPRE POR SE ENCONTRAR O MESMO " D N A " !
CERTAMENTE, TRATAR-SE-Á DE UM MERO CASO DE COINCIDÊNCIA, OU, DE REINCIDÊNCIA ? . . .
MAS TUDO PARECE CONTINUAR NA MESMA ! . . .
O QUE VIRÁ A SEGUIR ?